V – O espetáculo de um babaca


- Ana, Ana...
- Me deixa dormir um pouco mais...
- Levanta garota... o mundo já começou pra milhões de pessoas, sabia?
- Danem-se as pessoas... Me deixa em paz.
-Desde quando você se tornou arrogante com sua mãe?
A luz invadia meu quarto, minha mãe abriu as cortinas e a janela também... O barulho da rua e das buzinas era música para meus ouvidos... Obrigada deus bizarro pela poluição!
- Que horas são?
- Quase 9 da manhã.
Nossa! A facul... Prometi ao Bruno que iria. Levantei depressa, fui ao banheiro, lavei o rosto, me olhei no espelho e lembrei-me dele... Maurício. É inevitável não se lembrar daquele sorriso todas as manhãs... Por que você fez isso comigo? Idiota! Desgraçado! Meus olhos foram molhados por lágrimas, mas por que isso me dói tanto? Afinal é apenas mais um caso... Será que eu amo aquele idiota? Não... Claro que não amo... O que me dói é o descaso, é a naturalidade com que ele me magoa. Minhas mãos deslizaram pelo meu rosto, me perco nas lembranças daqueles beijos. Por alguns segundos viajei para os braços de Maurício, até que me lembrei da ligação de Victor... Ainda continuo me questionando... Será que foi uma boa idéia pedir algo a alguém tão arrogante? Ana! Agora não há tempo pra isso!
- Mãe, já to saindo, não me espere pro almoço, vou comer algo na facul mesmo... Ah! Não me espere nem para o jantar, acho que vou demorar.
- Ai ai ai Ana... Você precisa dar mais atenção a seu pai.
- Sim, sim... Amanhã vou passar à tarde com ele.
Fui saindo... Se eu ficasse ali mais um minuto, minha mãe não ia papar mais de falar... Ela sempre me cobra... Cobra atenção, boa notas, bom comportamento... Como se eu fosse ainda uma criança... Talvez seja assim neh? Pais nunca vêem seus filhos crescidos. Por hoje eu não vou obedecer às regras da minha mãe... Vou de moto... Preciso sentir o vento batendo no meu rosto.
Cidade... Pessoas... Marionetes da vida... A moto em alta velocidade, vento na cara, olhos atentos, pensamentos perdidos, mão firme no acelerador, os prédios passando, os carros passando, as pessoas passando... A v-i-d-a passando... Eu passando por ela. Cheguei à facul... O corredor como sempre... Gente pra todo lado... Um dia normal... Até que... Af! Hum...
-Qual foi cara? Ta achando que eu sou o que?
Dois idiotas discutindo, um era um babaca que eu nunca vi antes e outro era o carinha da cadeira... Sim, sim... O tal filósofo que tratei mau outro dia.
-Qual foi o que? Foi você que saiu da sala correndo.
Eh! Acho que preciso pedir desculpas, fui grossa sem motivos.
- O que? Tá me dizendo que eu sou o culpado?
Olha só o tipo desse outro playboy... Isso não vai ficar assim, eu não tenho sangue de barata.
- Colocando um idiota no lugar dele. - Repliquei com raiva e de pé atrás dele. Ele se virou, me olhou dos pés a cabeça... Confesso! Ele tinha um olhar lindo! Mas eu mantive a pose, caminhei e me coloquei ao lado do tal filósofo.
- Eu vi quando você esbarrou nele. – Eu continuei o encarando.
-A donzelinha precisa de defesa de uma mulher?
O clima ficou tenso entre os dois eu segurei o filósofo e o puxei pelo braço.
- Não se iguala a ele. Vem comigo!
Olhei para trás e o tal cara ainda me encarava, é claro que eu o encarei... Além de um babaca ele era lindo e tinha um olhar abrasador! Continuei puxando o outro e me afastei daqueles olhos.
- Qual o seu nome? – Perguntou o garoto.
- Ana... Ana Clara. E o seu?
- Álvaro.
- Hum! Eh! Desculpa por ter sido grossa outro dia. Eu não estava num dia legal!
Ele parou... Brecou... Ficou imóvel... Eu voltei meus olhos para os dele e perguntei.
- O que foi... Não vai me desculpar.
Álvaro segurou minha mão... E sussurrou.
- Não! Não se eu não puder elogiar seu sorriso novamente.
Eu sorri para ele... Álvaro era mesmo gentil.

IV- Uma Surpresa

Idiota! Eu aqui magoada com Maurício e tentando suicídio... Suicídio sim... Fim de carreira pedir um garoto de programa pra me amar... Acho que só eu mesma pra fazer algo tão banal... Mas ele parece arrogante e isso é o que deixa o caso interessante... Victor Arantes... Será mesmo que é capaz de se demonstrar apaixonado? Bom... Por hoje chega, estou cansada de tudo isso. Saí do PC, deitei na minha cama macia e adormeci do mesmo jeito que eu estava... Sem tomar banho e sem trocar a roupa, até que me telefone tocou, a essa hora, só pode ser o bruno.
- Alô, Milla?
Ai ai ai... É o Victor... Mas por que me ligando a essa hora?
- Oi... Quem éh?
- Sou o príncipe encantado. Agora nós chegamos assim, por um telefonema.
Af! Que cantada mais idiota!
- E quem te disse que quero você como príncipe? Ta parecendo mais uma sapo...
-Pega leve gata. Vamos começar de novo?
Caramba... Há essa hora eu aqui ouvindo asneiras.
- Não tenho tempo pra joguinhos. Vê se procura outra pra encher. Vou desligar.
Ele rapidamente retrucou.
-Milla você sabe que sou eu... Victor.
Rsrsrsrs... Realmente eu acho que não foi uma boa idéia contratar esse cara.
-Idiota. Eu já sabia que era você. Só te dei corda para saber até aonde ia sua falta de tato.
Ai! Acho que estou pegando pesado demais... Maurício, ele me deixou um tanto amarga.
-Escuta aqui garota...
-Não. Escuta você. Eu te contratei foi para parecer apaixonado por mim e não pra me ligar tarde da noite para das cantadas baratas. Se seu trabalho é assim, melhor deixarmos pra lá...
-Não. Faço questão de te conquistar. De verdade.
- Hahahaha. Desculpa, mas você é muito engraçado.
- Engraçado? Mas um adjetivo pra minha coleção. Eu prefiro ser chamado de gostoso.
Nossa! Esse cara se acha mesmo. Af! Ana você não precisa de mais um Maurício... Ou talvez seja interessante estar do outro lado da moeda.
-Victor, por favor...
-Então me encontra amanhã no Mirante do Leblon, Às 15 horas.
-Vou...
-Estar lá. Três da tarde.
Aiiiiiiiiiii... Que idiota, desligou sem eu responder... Três da tarde? Quem marca um encontro a essa hora? Caí para trás e me afoguei no meu colchão macio... Afinal eu acho que estava mesmo entrando numa fria. Ana, Ana... Tudo isso por causa de um babaca como o Maurício... Mas por que ele me magoou tanto? Por que me importei com pequenas coisas? Maurício por que você deixou marcas tão profundas? Adormeci.

Espetáculo III – Uma marionete nos corredores universitários



Volta às aulas, desci do ônibus, sentia o vapor quente do asfalto... Olhei para o campus... Tudo igual... Mais um semestre e tudo ali, no mesmo lugar... Sim, sim... Fui de ônibus... Em plena segunda feira eu encarando aquele busão lotado... Não sei por que, mas minha mãe não quer que eu vá de moto pra facul... E não faço ideia porque a obedeço... Obedecer... eh? Às vezes é legal! Hahaha.
Olhei ao longo do corredor... lá vinha ele... Bruno com uma cadeira nos ombros. A calça jeans larga, talvez era para não marcar as pernas finas e longas... rsrsrs... Uma camiseta pólo branca e é claro... um colete xadrez azul e cinza... Isso era quase uma marca registrada do “estilo Bruno de ser”.
- Novamente sem cadeiras na sala?- perguntei sem demonstrar muitos sorrisos.
-Ah! Que pergunta Ana! Acorda! Universidade pública.
Passou por mim e sumiu pelo corredor entre as pessoas. Essas... Foram minhas boas vindas à facul... Eu sei, eu sei que olhando assim o Bruninho parece irônico... Mas posso confessar? Essa é a parte que mais gosto nele... Hahaha... Poxa! Esqueci meu casaco, mas que importa se o ar condicionado da minha sala nunca funciona. Andando pelo corredor, passo a passo, passos compassados, de cabeça baixa... Olhando para meus pés, segurando nas alças da mochila. Apenas sentia as pessoas esbarrando em meus ombros... Não olhei para o rosto de nenhuma delas, não queria mesmo ver ninguém, queria apenas achar uma sala vazia e pegar minha cadeira. Olhei para minha esquerda... E pronto... Uma sala vazia e uma cadeira... Essa mesmo que vou pegar! Segurei aquele objeto estranho, seco sem vida, de uma cor pálida e débil. E segui pelo corredor, a vantagem de carregá-lo é que ele abria meu caminho.
-Quer ajuda?
Ergui a cabeça, meus cabelos ainda caídos em meus olhos, mesmo assim pude ver um sorriso tímido e um olhar gentil.
-Não precisa, minha sala é esta aqui do lado.
- Caloura?
-Eu? Imagina... Estou no sexto semestre. Eu que não me recordo de você.
- É, eu sou calouro... rsrsrsrsrs.
- Seja bem vindo! Está no curso de psicologia?
- Não não... Sou louco, mas nem tanto... Vou fazer filosofia.
-kkkkkkk... Isso sim é ser louco!
- Nossa! Que sorriso lindo!
Eu fiquei séria... Meu rosto se entristeceu...
- Desculpa... Eu disse bobagem?
- Idiota! – Respondi entre os dentes.
Segui para minha sala. Mas Ana... Porque falar assim com o garoto? Aff! Não sei... Mas me senti estranha só de imaginar... Imaginar? Sim imaginar Maurício.
Arrumei minha cadeira ao lado de Bruno, a sala ainda estava sem professor... Todos conversavam entre si e contavam as novidades das férias. Mas eu? Que novidade poderia contar? Que fui uma idiota?
-Ana... Você trouxe seu caderno de poesias?
-Não bruno? Por quê?
-Nada... Só queria ler as últimas que você escreveu?
- Ah, eu não escrevo tem um tempão... Nem desenhar estou tendo ânimo.
- Mas também pudera... Você só tem feito coisas erradas... Você perde tempo com bobagens Ana. Néh!
Eu olhei pro caderno, segurei firme a caneta e comecei a rabiscar... É claro, que as bobagens as quais Bruno se referia era Maurício.
O tempo parecia não passa, e a aula estava naturalmente chata, eu não conseguia concentrar em nada que o professor dizia. Uma sensação de raiva e dor invadia meu peito... Tinha nojo na minha carne, do meu cheiro... Do meu sorriso bondoso, do meu jeito social de ser... Nojo da minha compreensão e do meu jeito natural de me envolver com as pessoas. Ana, você é completamente idiota!
Aula terminada... Bruno e eu estávamos em silêncio. Ele apenas me observava perdida em meus pensamentos... Por vezes, ele dava um sorrisinho de canto de boca... Não sei se era pena ou se tinha um pouquinho de sarcasmo, como se dissesse: eu te avisei, agora sofra que você merece!
Saí da sala e fui imediatamente pra casa, não queria ver ninguém, não queria falar com ninguém... Não queria nada. Chequei em casa e passei direto pro quarto... Joguei minha mochila em cima da cama e sentei em frente ao PC... Queria aliviar-me, queria fugir, queria explodir o mundo. Como? Como? Porque aquele idiota fez isso comigo? Será que eu estou exagerando? Não... Não... Dói... Eu sinto essa dor... E ele? Ele apenas segue sua vida no fluxo normal, amanhã estará fazendo suas coisas cotidianas e talvez cercando outra presa por aí. Talvez eu seja exatamente como o Maurício me tratou... Talvez, eu recebi o que merecia por aceitar a situação, na qual ele me colocou.
Comecei a navegar pela net... Sem rumo... Nada específico... Nada preenchia o que sentia... Ódio, dor, saudade, solidão! No canto esquerdo da tela aparecia uma foto e piscava: “ANUNCIO! Prazer sou Victor!” Hahaha... Mais um babaca tentando se promover! Mas Ana... Pensando bem... Será? Será uma boa idéia? Veja bem... Você foi usada por Maurício... Talvez usar alguém seja interessante também... Estar do outro lado da moeda. Não hesitei mais e cliquei naquele anúncio idiota.
Prazer! Sou Victor Arantes. Dizem que eu me acho, mas eu nunca me perdi. Sei o que sou e o que quero para mim. Faço o que quero, quando quero, como eu quero e com quem eu quero. A vida é muito curta para perder tempo com lamentações, então meu lema é: Curtindo a vida antes que seja tarde demais! CARPE DIEM
 Hum... Ele é bonito! Parece um tanto arrogante. Mas pagar alguém pra estar comigo? Como eu poderia usá-lo?
Peguei meu celular... Digitei o número... Ligo? Ou não ligo? No mínimo será uma experiência interessante!
Tuuuuuuuuuh... Tuuuuh...
-Victor Arantes... Boa noite.
Nossa... Atendeu assim... Tão rápido!
-Eh... Boa noite... Victor eu vi seu anúncio... Quero contratar seu trabalho.
- Sim, pra quando é?
- Mas não quero sexo contigo.
-Como assim? Normalmente é pra isso que sou pago.
Ouvi uma risada irônica.
- E te garanto que faço muito bem- Complementou com ar de deboche.
O que você está fazendo Ana... Esse cara num vai poder dar o que você quer.
- Hum... Acho que foi um engano eu te ligar... Deixa pra lá.
-Calma aí garota! O que você quer?
-Você consegue fingir bem?
- Fingir? Ah já sei, quer me contratar pra fazer ciúmes em alguém? Claro sou bom em quase tudo nessa vida.
- Rsrsrs... Ótimo... Você vai fingir que me ama... Não precisa economizar com detalhes, eu pago!  
-Amar você? Rsrsrsrsrs...Detalhes? Como assim?
- Vamos marcar pra amanhã a noite e até lá quero que pense bem no que vai fazer... Quero que seja um cara apaixonado... Tudo o que gastar com isso eu te pago depois... Será que você é capaz de fazer isso?
Um silêncio invadiu a linha... Por alguns segundos ouvia apenas a respiração daquele homem que eu nem mesmo conhecia e que acabara de pedir pra que ele me amasse... Um garoto de programa... Pagar pra ser amada... Uma ironia do mundo capitalista.
- Eu topo! Tem preferência de lugar? Pode me falar um pouco mais de você? O que realmente quer que eu faça?
- Victor... Faça como quiser... Me surpreenda... me ame... Se apaixone... Pode me chamar de Milla. Amanhã, nesse horário eu estarei pronta... Você me liga dizendo aonde vamos.
- Tudo bem Milla... Mas vou adiantando... Guarde uma boa grana garota!
- Grana não é o problema. Até mais!
Desliguei o telefone, minhas mãos ainda estavam tremulas... Afinal eu nem conhecia esse cara. Mas Ana... Tudo isso será apenas um teatro... Você está pagando...  E ele será a marionete da vez.