Espetáculo III – Uma marionete nos corredores universitários



Volta às aulas, desci do ônibus, sentia o vapor quente do asfalto... Olhei para o campus... Tudo igual... Mais um semestre e tudo ali, no mesmo lugar... Sim, sim... Fui de ônibus... Em plena segunda feira eu encarando aquele busão lotado... Não sei por que, mas minha mãe não quer que eu vá de moto pra facul... E não faço ideia porque a obedeço... Obedecer... eh? Às vezes é legal! Hahaha.
Olhei ao longo do corredor... lá vinha ele... Bruno com uma cadeira nos ombros. A calça jeans larga, talvez era para não marcar as pernas finas e longas... rsrsrs... Uma camiseta pólo branca e é claro... um colete xadrez azul e cinza... Isso era quase uma marca registrada do “estilo Bruno de ser”.
- Novamente sem cadeiras na sala?- perguntei sem demonstrar muitos sorrisos.
-Ah! Que pergunta Ana! Acorda! Universidade pública.
Passou por mim e sumiu pelo corredor entre as pessoas. Essas... Foram minhas boas vindas à facul... Eu sei, eu sei que olhando assim o Bruninho parece irônico... Mas posso confessar? Essa é a parte que mais gosto nele... Hahaha... Poxa! Esqueci meu casaco, mas que importa se o ar condicionado da minha sala nunca funciona. Andando pelo corredor, passo a passo, passos compassados, de cabeça baixa... Olhando para meus pés, segurando nas alças da mochila. Apenas sentia as pessoas esbarrando em meus ombros... Não olhei para o rosto de nenhuma delas, não queria mesmo ver ninguém, queria apenas achar uma sala vazia e pegar minha cadeira. Olhei para minha esquerda... E pronto... Uma sala vazia e uma cadeira... Essa mesmo que vou pegar! Segurei aquele objeto estranho, seco sem vida, de uma cor pálida e débil. E segui pelo corredor, a vantagem de carregá-lo é que ele abria meu caminho.
-Quer ajuda?
Ergui a cabeça, meus cabelos ainda caídos em meus olhos, mesmo assim pude ver um sorriso tímido e um olhar gentil.
-Não precisa, minha sala é esta aqui do lado.
- Caloura?
-Eu? Imagina... Estou no sexto semestre. Eu que não me recordo de você.
- É, eu sou calouro... rsrsrsrsrs.
- Seja bem vindo! Está no curso de psicologia?
- Não não... Sou louco, mas nem tanto... Vou fazer filosofia.
-kkkkkkk... Isso sim é ser louco!
- Nossa! Que sorriso lindo!
Eu fiquei séria... Meu rosto se entristeceu...
- Desculpa... Eu disse bobagem?
- Idiota! – Respondi entre os dentes.
Segui para minha sala. Mas Ana... Porque falar assim com o garoto? Aff! Não sei... Mas me senti estranha só de imaginar... Imaginar? Sim imaginar Maurício.
Arrumei minha cadeira ao lado de Bruno, a sala ainda estava sem professor... Todos conversavam entre si e contavam as novidades das férias. Mas eu? Que novidade poderia contar? Que fui uma idiota?
-Ana... Você trouxe seu caderno de poesias?
-Não bruno? Por quê?
-Nada... Só queria ler as últimas que você escreveu?
- Ah, eu não escrevo tem um tempão... Nem desenhar estou tendo ânimo.
- Mas também pudera... Você só tem feito coisas erradas... Você perde tempo com bobagens Ana. Néh!
Eu olhei pro caderno, segurei firme a caneta e comecei a rabiscar... É claro, que as bobagens as quais Bruno se referia era Maurício.
O tempo parecia não passa, e a aula estava naturalmente chata, eu não conseguia concentrar em nada que o professor dizia. Uma sensação de raiva e dor invadia meu peito... Tinha nojo na minha carne, do meu cheiro... Do meu sorriso bondoso, do meu jeito social de ser... Nojo da minha compreensão e do meu jeito natural de me envolver com as pessoas. Ana, você é completamente idiota!
Aula terminada... Bruno e eu estávamos em silêncio. Ele apenas me observava perdida em meus pensamentos... Por vezes, ele dava um sorrisinho de canto de boca... Não sei se era pena ou se tinha um pouquinho de sarcasmo, como se dissesse: eu te avisei, agora sofra que você merece!
Saí da sala e fui imediatamente pra casa, não queria ver ninguém, não queria falar com ninguém... Não queria nada. Chequei em casa e passei direto pro quarto... Joguei minha mochila em cima da cama e sentei em frente ao PC... Queria aliviar-me, queria fugir, queria explodir o mundo. Como? Como? Porque aquele idiota fez isso comigo? Será que eu estou exagerando? Não... Não... Dói... Eu sinto essa dor... E ele? Ele apenas segue sua vida no fluxo normal, amanhã estará fazendo suas coisas cotidianas e talvez cercando outra presa por aí. Talvez eu seja exatamente como o Maurício me tratou... Talvez, eu recebi o que merecia por aceitar a situação, na qual ele me colocou.
Comecei a navegar pela net... Sem rumo... Nada específico... Nada preenchia o que sentia... Ódio, dor, saudade, solidão! No canto esquerdo da tela aparecia uma foto e piscava: “ANUNCIO! Prazer sou Victor!” Hahaha... Mais um babaca tentando se promover! Mas Ana... Pensando bem... Será? Será uma boa idéia? Veja bem... Você foi usada por Maurício... Talvez usar alguém seja interessante também... Estar do outro lado da moeda. Não hesitei mais e cliquei naquele anúncio idiota.
Prazer! Sou Victor Arantes. Dizem que eu me acho, mas eu nunca me perdi. Sei o que sou e o que quero para mim. Faço o que quero, quando quero, como eu quero e com quem eu quero. A vida é muito curta para perder tempo com lamentações, então meu lema é: Curtindo a vida antes que seja tarde demais! CARPE DIEM
 Hum... Ele é bonito! Parece um tanto arrogante. Mas pagar alguém pra estar comigo? Como eu poderia usá-lo?
Peguei meu celular... Digitei o número... Ligo? Ou não ligo? No mínimo será uma experiência interessante!
Tuuuuuuuuuh... Tuuuuh...
-Victor Arantes... Boa noite.
Nossa... Atendeu assim... Tão rápido!
-Eh... Boa noite... Victor eu vi seu anúncio... Quero contratar seu trabalho.
- Sim, pra quando é?
- Mas não quero sexo contigo.
-Como assim? Normalmente é pra isso que sou pago.
Ouvi uma risada irônica.
- E te garanto que faço muito bem- Complementou com ar de deboche.
O que você está fazendo Ana... Esse cara num vai poder dar o que você quer.
- Hum... Acho que foi um engano eu te ligar... Deixa pra lá.
-Calma aí garota! O que você quer?
-Você consegue fingir bem?
- Fingir? Ah já sei, quer me contratar pra fazer ciúmes em alguém? Claro sou bom em quase tudo nessa vida.
- Rsrsrs... Ótimo... Você vai fingir que me ama... Não precisa economizar com detalhes, eu pago!  
-Amar você? Rsrsrsrsrs...Detalhes? Como assim?
- Vamos marcar pra amanhã a noite e até lá quero que pense bem no que vai fazer... Quero que seja um cara apaixonado... Tudo o que gastar com isso eu te pago depois... Será que você é capaz de fazer isso?
Um silêncio invadiu a linha... Por alguns segundos ouvia apenas a respiração daquele homem que eu nem mesmo conhecia e que acabara de pedir pra que ele me amasse... Um garoto de programa... Pagar pra ser amada... Uma ironia do mundo capitalista.
- Eu topo! Tem preferência de lugar? Pode me falar um pouco mais de você? O que realmente quer que eu faça?
- Victor... Faça como quiser... Me surpreenda... me ame... Se apaixone... Pode me chamar de Milla. Amanhã, nesse horário eu estarei pronta... Você me liga dizendo aonde vamos.
- Tudo bem Milla... Mas vou adiantando... Guarde uma boa grana garota!
- Grana não é o problema. Até mais!
Desliguei o telefone, minhas mãos ainda estavam tremulas... Afinal eu nem conhecia esse cara. Mas Ana... Tudo isso será apenas um teatro... Você está pagando...  E ele será a marionete da vez.

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